sexta-feira, 14 de julho de 2017

AS NAUS DA PAMPULHA





AS NAUS DA PAMPULHA


Quem percorrer a Pampulha e prestar atenção ás paredes de alguns prédios ou monumentos, irá encontrar esculpidos em baixo-relevo, barcos de vários tipos (naus, caravelas, galeões, corvetas). Ninguém sabe ao certo qual a razão de ser de tais esculturas. Naus sem os corvos que as ligariam imediatamente ao símbolo da cidade de Lisboa, o que pretendem representar ? E se aquelas que apresentam a representação de corvos se podem ligar à própria cidade de Lisboa, as outras pensa-se serem a residência de velhos marinheiros que assim quiseram marcar a sua ligação ao mar e à vida marítima.
Trata-se, contudo, de um fenómeno único nas cidades e que mereceu do olisipólogo Norberto de Araújo o texto poético que  aqui transcrevemos e que ilustra bem a importância e o significado que tais manifestações de cultura representam para a cidade de Lisboa de uma maneira geral e para a Pampulha em particular.


É este o texto que gostaríamos de vos transmitir: 

"Ligam a cidade ao mar estas pedras da heráldica olisiponense. A nau-é um símbolo que transcende da própria jurisdição municipal. Onde estava o navio estava o Senado da Cidade Mas só Lisboa ? Em rigor estava a Nação inteira: cada uma daquelas pedras podia ser uma sigla emblemática de Portugal de todos os tempos.

Estas pedras de naus, com corvos ou sem eles, salpicam Lisboa de visões marítimas. Elas não pretendem falar dos descobrimentos; recuam à tradição de S. Vicente. Mas condensa-se nelas toda a história da marinharia lusa. O seu poder de penetração é igual ao seu potencial de beleza. A sua ingenuidade - é uma força. Nenhuma cidade do mundo possui coisa assim.

Há-as por toda a parte: nos espaldares de velhas bicas e chafarizes, nos cunhais das casa da Câmara, na face de prédios, em quinas, em galilés, em sobreportas, São das mais variadas traças do escopro. Em relevo rude, quase romântico; em modelação macia, como se de ourivesaria fossem, parecem arrancadas das mãos de lavrantes da Renascença; em simples talhe doce, gravura a buril, de ingénuo risco.Começam no século XIV, ao Andaluz, atravessam o quinhentismo, metem-se pelos séculos XVII e XVIII. Cada uma com o seu timbre, com seu jeito, com sua fala - são todas um padrão. Desde a caravela, desde quase da galera até à nau, ao galeão, à corveta - todas significam a mesma coisa. Em qualquer delas tanto se poderia aportar ao Cabo Sacro - como dar uma volta inteirinha ao mundo.

Pela Ribeira Velha e por Alfama, por Santa Bárbara e pelo Beato António, por Arroios e pela Graça, no Castelo, no Bairro Alto, na Fonte Santa, em Alcântara, pela Pampulha fora, ao longo das vielas e betesgas -  roteiro das peregrinações dos corvos de S. Vicente, saltando de bairro para bairro - Lisboa deixou a dedada heráldica do seu navio.
Que lindos brincos tem Lisboa nas pedras das naus ! Passando-lhes as mãos pelo relevo e contornos tem-se a sensação que se palpa a espuma do mar. São o elo que prende esta cidade ao seu destino."

Norberto de Araújo
Legendas de Lisboa


AS NAUS DA PAMPULHA



Chafariz da Praça da Armada


               Chafariz da Fonte Santa - Rua Possidónio da Silva

                                    Calçada do Livramento



Calçada do Livramento N.º 19

Rua da Costa


Rua da Costa 52



                                        Rua da Costa 81A


Rua da Costa 51


Rua da Costa 43



Rua Prior do Crato


Rua Prior do Crato Nº. 71


Rua Prior do Crato N. 75

                  
Rua Prior do Crato N.54

Rua Prior do Crato N.48


Rua Prior do Crato N.46

 Monograma - Rua Prior do Crato N. 45


Rua Prior do Crato N.40

Calçada da Pampulha



Calçada da Pampulha N.º 2/4



Calçada do Castelo Picão N.º 51




Rua Presidente Arriaga

Rua Presidente Arriaga N.ª 172

Rua Presidente Arriaga N.º 170



Rua Presidente Arriaga Nº. 152/154



Rua Presidente Arriaga N.150

Rua Presidente Arriaga N.º 142
Rua Presidente Arriaga N.º 136-138
Rua Presidente Arriaga N.º 124-A


Fazemos notar que as sete naus presentes na Rua Presidente Arriaga e na Calçada da Pampulha constam do Inventário do património Municipal (Anexo III do Plano Director Municipal de Lisboa).
Rua de S. Bento 152/154


João Pinto Soares

domingo, 9 de julho de 2017

LENDAS DA PAMPULHA - A LENDA DA FONTE SANTA

LENDAS DA PAMPULHA - A LENDA DA FONTE SANTA


O Chafariz da Fonte Santa em 1951




O Chafariz da Fonte Santa em 2017
Um pouco abaixo do Cemitério dos Prazeres, num dos extremos da Rua Possidónio da Silva, em frente à Escola Secundária Josefa de Óbidos,  encontra-se o Chafariz da Fonte Santa, com construção datada de 1735, segundo rezava a inscrição que existia na peanha da  cruz de pedra que encimava o chafariz e que entretanto desapareceu.

O Chafariz da Fonte Santa  consta do Inventário Municipal do Património, não sendo de descurar a sua importância a partir  do século XVI, altura em que foi avistada Nossa Senhora.

O nome do lendário chafariz deriva das propriedades milagrosas que eram atribuídas às suas águas que  não provinham do fornecimento  do Aqueduto das Águas Livres, continha sim água própria, resultante de um lençol freático cujas águas se acumulavam no cimo e aqueciam, volvendo à fonte ainda quentes, daí as suas qualidades ditas terapêuticas. Esta fonte foi designada inicialmente fonte quente e, a partir de séc. XVI, com o aparecimento de Nossa Senhora dos Prazeres, Fonte Santa.

Esta fonte, no final do séc. XVI, com duas bicas e dois tanques, integrava a Quinta dos Prazeres, que foi enfermaria de doentes com a peste depois da epidemia de 1598. Actualmente possui apenas um tanque de recepção de águas com a respectiva bica, que surge encimada por um baixo relevo em calcário com as armas da cidade. De fachada simples, destaca-se o seu remate invulgar "em quilha", coroado por uma cruz (1). 

A Lenda da Fonte Santa

Segundo reza a crença popular apareceu há cinco séculos, no cimo da encosta do Vale de Alcântara para os Prazeres, perto de uma mina de água, a imagem de uma  Santa. A população devota começou a venerar a Santa  numa ermida edificada no local da aparição e a atribuir à água virtudes milagrosas. 

O culto de Nossa Senhora dos Prazeres, desenvolveu-se sobretudo após o aparecimento dessa  imagem na quinta dos Condes da Ilha do Príncipe, sobre a antiga Ribeira de Alcântara em Lisboa. A imagem terá aparecido no dia em que a Igreja Lisbonense celebrava Nossa Senhora dos Prazeres, e a Virgem terá aparecido a uma menina a quem constituiu sua embaixadora, mandando-lhe que dissesse aos vizinhos e a seus pais que edificassem uma ermida naquele lugar,  e que desejava ser invocada sob o título de Senhora dos Prazeres. Também a quinta dos Condes da Ilha passou a designar-se quinta dos Prazeres, onde mais tarde foi construído o Cemitério dos Prazeres.

A água da mina foi utilizada para abastecer a humilde fonte que aí se construiu. Foi baptizada pelos populares Fonte Santa, porque os devotos da Santa ali iam lavar as feridas, beber água e lavar os olhos, era crença que a água curava doenças do foro dermatológico e oftalmológico. A imagem foi designada Nossa Senhora dos Prazeres .

 Entretanto, a fonte chegou a grande estado de abandono, até que em 1835 foi restaurada, sendo embelezada com a pedra de cantaria cinzelada com as armas da cidade. Era composta por uma frente simples, encimada por um frontão setecentista de igreja com uma cruz no topo. Este frontão era caiado. Inicialmente tinha dois tanques e duas bicas. Tem escadas de acesso do lado direito da fonte. A água da fonte era sulfatada cálcica, mas a sua proximidade do cemitério e o seu teor nitratado vedou-a ao consumo público, passando o chafariz a ser alimentado por outra conduta. No local da ermida foi construída a taberna do João da Ermida. A fonte tornou-se um espaço de  encontro dos operários e dos marujos, que aí descansavam depois de se saciarem na dita taberna. Hoje em dia a Fonte Santa dos Prazeres apresenta apenas um tanque e uma bica.

A origem do título de Nossa Senhora dos Prazeres remonta ao séc. XIV e Portugal foi o primeiro país a festejar "os prazeres ou alegrias que a Virgem Santíssima sentia  pela Ressurreição do seu Filho". Assim, já em Julho de 1389 lançara S. Nuno de Santa Maria a primeira pedra da igreja e convento do Carmo em Lisboa, colocando numa das capelas laterais sob a invocação de Nossa Senhora dos Prazeres. A festividade realizava-se  a 8 de Abril ou na segunda feira da  Pascoela já em 1480. Também é mencionada no calendário da Sé de Lisboa em 1536.

Imagem original de Nossa Senhora dos Prazeres que foi dada a conhecer a uma menina sobre a nascente dos Prazeres e em devoção à qual foi construída uma ermida onde ela foi colocada e venerada e que se situava no que será hoje a Parada dos Prazeres, (antiga Estrada  dos Prazeres-toponímia essa que  hoje se refere à rua entre a Maria Pia e o Largo de São João Bosco) e que posteriormente terá sido transformada na taberna do João da Ermida.

Sabe-se que quando o Cemitério é construído já havia uma outra Capela, que depois ficou no interior de Cemitério que está representada nos mapas de Filipe Folque e que depois é destruída e construída a nova Capela, tal como hoje a conhecemos.

Hoje esta imagem encontra-se na capela do Cemitério dos Prazeres, existindo uma réplica num nicho na parte baixa da entrada da Igreja de Nossa Senhora Auxiliadora, na Praça S. João Bosco. 



Imagem de Nossa Senhora dos Prazeres
Capela no interior do Cemitério dos Prazeres, onde se encontra a imagem original de Nossa Senhora dos Prazeres

(1) A cruz original, em pedra, que denunciava a construção do chafariz em 1735, desapareceu, tendo sido, recentemente, a 23 de Abril de 2017,  substituída por uma de metal, em cerimónia que incluiu também a colocação de dois paineis de azulejos: um, virado para a Rua Possidónio da Silva, contém uma imagem da Virgem e a referência à aparição de 1599; o outro, virado para a Rua Coronel Ribeiro Viana, contém um descritivo cronológico do Culto de Nossa Senhora dos Prazeres que tem a primeira referência em 1389. 

João Pinto Soares